domingo, 22 de janeiro de 2017

blue eyes

(inspirado no filme “Olhos Azuis” de José Joffily)

meus calos te fazem
parecer tão fraco
e frágil

você não duraria muito
do lado em que fui criado

te faltariam os anticorpos
que a falta de infraestrutura
e a realidade hostil e dura
nos fazem adquirir ao poucos

e por falar na dureza dos dias
e tardes e noites
desconfortavelmente
úmidas e quentes
que não são pra estrangeiro:

pra quem tem nas margens seu mundo possível
qualquer olho azul é de algum forasteiro

(Erick Amancio)

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

perdas: e ganhos

o vapor perde a carga
aí o playboy perde o carro
aí o asfalto perde a segurança
aí o coronel perde a paciência
aí a favela perde o sossego
e aí o vapor perde a carga

a matemática não dá conta de explicar
tanta subtração gerando tantos proventos
a biologia quase chega lá:
na natureza nada se perde nem se cria...
mas é o direito penal que completa:
tudo se transvia

(Erick Amancio)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

de ação
em ação
provenho

de antemão
garantindo

de metade
em metade

o suficiente
pra manutenção
da minha próxima necessidade

(Erick Amancio)

terça-feira, 2 de agosto de 2016

esse caos existencial
que por instantes
me separa

da engrenagem mecânica
que outros
operam

da ferramenta humana
que poucos
controlam

no design moderno
dessa prisão
interna


(Erick Amancio)

domingo, 17 de abril de 2016

Fauna disfuncional

um enxame de gente
o Vidigal visto de Ipanema
marimbondos inteligentes
quando descem são um problema

pessoas amontoadas
vivendo empoleiradas
são aves que não têm asas
em prédios enclausuradas

como toupeiras embaixo da terra
vão de lá pra cá bem rápido
mas pra baixada não, quem dera
só supervia e busão lotado

cadê os rios? os terrenos baldios?
a praga já se alastrou
não tem mais lugar vazio
nossa colmeia abarrotou

bicho homem, animal insano
mais selvagem que humano
vive chamando de progresso
o crescimento dos seus excessos

dizemos que estamos no topo
da cadeia alimentar
mas pra cadeia mandamos o outro
que furtou pra se alimentar

(Erick Amancio)

quinta-feira, 31 de março de 2016

Falta e Fartura

estamos fartos
da fartura de poucos
sob a fadiga
de todos os outros
a quem falta de tudo

poucos fartos
descansando nos fatos
do Estado
(de coisas)
que falta aos fatigados

quem não se farta
buscando sair da falta
servindo fatigadamente
a quem descansa farto
se faz servo

quem não sente falta
justifica os fatos
na falta de esforço
de quem serve os pratos
da sua mesa farta

e mantêm-se os fartos
no sono cansado
dos fatigados
que levantarão um dia
revoltados

(Erick Amancio)

quarta-feira, 9 de março de 2016

Poema metalinguístico

escrevo um verso
minha sina
depois completo
com a rima

escrevo
outra
estrofe

depois
outra

e a contagem silábica
deixo solta

a métrica
deixo pra lá
o que interessa
é rimar

os versos são curtos
mas caguei
quem prolonga demais perde o tempo da rima tornando a coisa bem chata pra quem lê

fiz menção aos dejetos
eu sei
minha poesia
não tem polidez

escrevo ao contrário
"a rima"
e ela se torna
"a mira"

aproveito o ensejo
e aponto
na mira vejo
a fachada de um banco


(Erick Amancio)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

De Dentro

angustiado
por não ter
como compartilhar
as impressões
e as emoções
com alguém
além de mim

contento-me
em dividir
hora aqui
outra ali
com você
ilusões

é raro ver
alguém acessar
para além do especular
de outro alguém
o interior

acontece
no amor

(Erick Amancio)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Inquietude

eu não sirvo pra esse mundo
peça fora da engrenagem
resistindo ao fluxo funcional
nadando contra a corrente
outrora posto em fogueira ardente

vejo em mim contradição
o que percebo de um lado
do outro o que me foi talhado
desse choque angustiante
analiso as impotências

minto pra mim mesmo
até que esqueça que não há verdade
e incorpore mentiras no ser
buscando alcançar sem crer
meu ideal metafísico

me constituindo para não desintegrar
desses retalhos de convicções
copiando novos valores
aceitando e experimentado dores
descartando e absorvendo certezas

busco equilibrar meu universo
com o universo de quem me afeta
hora abismo nos separa
hora sincronia rara
a instabilidade como regra

e nesse vai e vem inconstante
fluidez incessante
transbordo em desapego
da necessidade de entender
abrindo caminho ao riso
momento de real compreensão
pura e simples intuição
do corpo

(Erick Amancio)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Inventos

parado em um só mil momentos
saciando a vontade de vislumbramento...

mesmo na coisa mais banal
retirada às pressas do lugar comum
pra não deixar no registro nenhum
pensamento de origem real

a forma apreendendo sons em si
que os ouvidos das almas sebosas
que nunca escutaram as pétalas de rosas
não podem parar pra ouvir

numa cela fabricando sentimentos
com os dedos que apontam pra outros momentos
que vagam sem morada na linha do tempo
que tentam sair mas estão presos por dentro

passando por mil único tormento
caindo verdades perante inventos...

verso versus verso
dizendo o inverso
do lado avesso
se fala o certo

no início era o verbo
no meio o veto
no fim retrocesso


(Erick Amancio)

sábado, 16 de janeiro de 2016

Poema de Adriel Vargas (sem título)

Enlatadas. Mentes e corpos
Inchadas. Juntas e desejos
Anseio o fim do dia
No bocejo em que inicia.

No trem, em pé, o trabalhador dorme
Crítica consciente, nele espera-se
Que assim se forme

Precário. Trabalho. Salário.
Rotina de vida de um não presidiário
Preso no rotineiro processo da lida
De render bons lucros ao nobre empresário

Liberdade assistida. Assistência garantida
Pela labuta sofrida. História de vida.
Não contada nem pensada
Apenas fluída. Esquecida. Contida
No pão nosso de cada dia, nos dai hoje
Agora e até a hora
De nossa morte. Talvez tenhamos sorte
Aos domingos esporte
A poltrona e o chima
Na segunda voltamos à lida
No sábado voltamos à rima.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A poesia é meu grito

Como é difícil pôr em palavras
toda opressão que sentimos na alma!
Como caber em estrofes e versos
a humilhação que faz de nós o resto?

Minha arte é expressão da experiência direta
de tudo aquilo que socialmente me afeta.
Se flores e justiça à minha volta não há
não posso a beleza do mundo declamar.

Possuo guardada muita matéria bruta
saída dos fornos da diária luta.
Realidade dura que sofro pra lapidar,
revolta e indignação em poesia transformar.

Sonho com um mundo sem ricos e pobres
em que a minha poesia seria só hobby,
expressão elevada do meu livre espírito,
mas hoje a poesia é da alma o meu grito.


(Erick Amancio)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Poema em “Quarto do despejo” (1960)

(Carolina Maria de Jesus)

Não digam que fui rebotalho,
que vivi à margem da vida.
Digam que eu procurava trabalho,
mas fui sempre preterida.
Digam ao povo brasileiro
que meu sonho era ser escritora,
mas eu não tinha dinheiro
para pagar uma editora.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Quando a Poesia é Feita de Ego

Quando estou triste
não gosto de fazer poesia,
porque a dor persiste
e aumenta mais a agonia.

Se estiver muito feliz
não me meto a poeta,
palavra e forma não traduz,
prefiro andar de bicicleta.

Gosto de escrever no limbo
da revolta ou do tédio,
pois chorando ou sorrindo
a poesia é só meu ego.

(Mas agora escrevo triste pra ver se a dor aumenta,
quero ver se ela inventa um jeito novo de doer,
e se o sofrimento insiste mesmo posto em palavras
é porque ele existe no espelho que me vê).

(Erick Amancio)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A casa do Povo

Comemore cidadão
Você está abrigado
Desde a revolução dos franceses
Tu tem seus direitos assegurados

Agradeça cidadão
Tu não é mais escravizado
Tu trabalha com condição
Agora é um assalariado

Não reclame cidadão
Agora tens lugar na política
Desde os tempos da revolução
Existe assembleia legislativa

Participe cidadão
O seu voto é sagrado
Mas não questione a ação
Apenas sinta-se representado

Por que reclama cidadão
Do teu trabalho alienado?
Você trabalha pra burro sim
Mas tem direitos assegurados

Tome cuidado cidadão
Não reclame do que lhe foi dado
Se tu nem lembra em quem votou
É porque do trabalho está ocupado


Já basta cidadão
Não se meta a revoltado
Se a casa do povo não é mais sua
É porque tu votou errado

Que história é essa cidadão
De que agora não é mais alienado?
Agora você irá pra prisão
O policiamento será redobrado

(Erick Amancio)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Botão de Flor

se até numa terra
destruída pela guerra
entre escombros e pedras
nasce um botão de flor,
por que não deveria
minha poesia
nascer da revolta
do ódio
e da dor?

(Erick Amancio)

domingo, 22 de novembro de 2015

Olorum Ekê

(Solano Trindade)

Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu sou poeta do povo
Olorum Ekê 
A minha bandeira
É de cor de sangue
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Da cor da revolução
Olorum Ekê 
Meus avós foram escravos
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Eu ainda escravo sou
Olorum Ekê
Olorum Ekê
Os meus filhos não serão
Olorum Ekê
Olorum Ekê

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Impotência

Dei cabo da minha vida
pra modificar a minha essência,
condenando quem abriu a ferida,
transformei a dor em evidência.

A que ponto eu cheguei
tentando recomeçar:
bem no ponto de partida
me vi depois de tanto andar.

E nadando contra a corrente
mas parado no mesmo lugar,
me cansei de tanto esforço
só pra enchente não me levar.

Sem conseguir ir para frente
afoguei-me em desgosto,
mas a calmaria ausente
moldou em mim um novo rosto.

A impotência nesse mundo
limitou a luta em mim,
mas desistir é absurdo,
então faço do meio o meu fim.


(Erick Amancio)